Nome: Francisco Raimundo de Andrade
Identificação: Dinorá ou Raimundo Dinorá
Nascido em Lajes em: 09/03/1956
Pai: João Henrique de Andrade Filho
Mãe: Maria José de Andrade
Irmãos: Denice, Dinorá, Selma, Carlos, Gilberto, Neto, Damião
Cícero - Você é aposentado como Funcionário Público, né isso?
Raimundo - Com certeza. Com 38 anos de trabalho, foi que eu me aposentei.
Cícero - E você sempre trabalhou como Funcionário Público?
Raimundo -Trabalhei vendendo picolé, saco de papel, vidro, em Natal, vendia bolinho na rua.... Eu nunca gostei de ficar parado. Eita amanhã (memória) é São João! Eu corria pros lixos, pegar ferro velho pra vender, pra comprar bomba, comprar traque, pra soltar, na juventude, tudo novinho, o que dava na cara a gente fazia.
Cícero - Onde tu nasceu?
Raimundo - Eu nasci no Conjunto 3 de Outubro, no ano de 1956. Amanhã (09 de março), estarei completando 68 anos.
Cícero - Me admirei. O achei com aparência mais jovem. Percebendo minha admiração, ele completou:
muita graça, cheia de saúde, muita paz que eu tenho na minha vida.
Cícero -Você gosta de se identificar, como ele ou, como ela?
Raimundo - Não, isso pra mim nem influi. Depende de quem vier conversar. tem problema não. tanto faz ser ela, ou ser ele, ou ser traveco, ou ser homossexual, ou ser veado, pra mim isso não importa. O importante é que eu vivo.
Cícero - Você é de uma época (se hoje ainda há preconceito, já conseguimos derrubar muita coisa), mas no seu tempo, como foi para você se assumir?
Raimundo - Ah, tinha muito receio, realmente. E certamente tinha muito respeito, eu era uma pessoa séria, não dou cabimento.
Cícero -Você brinca com quem brinca com você...
Raimundo - Exatamente, tem problema nenhum, eu brinco com todo mundo, conheço todo mundo em Lajes, vou pra Natal, e até aqui, eu nunca tive decepção. Ando muito só, tenho meus amigos íntimos, não gosto de turma. Meu Carnaval é o Zé Pereira, não perco de jeito nenhum.
Cícero - Teve uns dois anos que tu saiu (fantasiado) de freira. Tu lembras de outras fantasias?
Raimundo - De Carmen Miranda, marinheiro, camareira, e várias. Todo ano saio à caráter.
Cícero - Você se considera uma pessoa feliz?
Raimundo - Com certeza, não tenha nem dúvida disso.
Cícero - Tem alguma coisa para realizar que ainda não realizou?
Raimundo - Não, pra mim... tá tudo em paz, vivo hoje, não sou doente.... Pra mim, o ponto principal da vida é ser feliz e não ser doente.
Cícero - Você é de uma época, quando surgiu o HIV, culpavam logo os "homossexuais" (palavra comum antes das identificações propostas pelo movimento LBTQI AP+).
Raimundo - Ave Maria! Exatamente, não tenha nem dúvida disso.
Cícero - Nesse sentido você sofreu preconceito?
Raimundo - É mas, eu nunca tive, graças ao meu bom Deus, soube me preparar, me cuidar. Tanto comigo como com meu parceiro. Porque quando eu tinha um parceiro, eu demorava anos. Então só se fosse ele, mas sempre eu me cuidava.
Cícero - Tem algumas passagens engraçadas de sua vida que você lembre e gostaria de contar?
Raimundo - Eu tive tantas. Uma vez, eu era muito jovem, aí nunca gostei de tá parado (sem trabalho), sempre gostei de tá com meus trocadinhos no bolso. Aí fui apanhar algodão, na fazenda de Raimundo Quirino, lá em Pedra Vermelha. Ia passando uma passeata de Aluízio Alves, pra Pedra Preta. Aí (risos) cada um que quisesse pular a cerca para ir pra perto dos carros, no meio dos carrapichos, era aquele auê, sabe?
Cícero - Com quantos anos você descobriu que gostava de pessoas do mesmo sexo?
Raimundo - Ah meu amor, 13 anos. Isso foi em Natal, a primeira pessoa que eu conheci.
Cícero - Como foi que você revelou pra sua família?
Raimundo - Não, eles foram vendo o meu modo de ser, meu modo de agir em casa. As vezes eu me pintava, brincava de circo, de baiana... e até chegou meu pai reclamar, querer puxar minha orelha. E foi passando... não sou daquelas pessoas debochadas. Só naquelas datas comemorativas, a pessoa gosta de se explorar para o povo ver quem é realmente aquela pessoa que está vestida por dentro da roupa. O povo já sabe quem é. No Carnaval, são cinco pessoas, meu bloco: é eu, é Jessé, é João irmão de Cláudio, é Gugú, tudo igual. Esse ano, nós apresentamos no carnaval: As Camareiras.
Cícero - Como você ver a luta pelos direitos, de ser aceito...?
Raimundo - Pra gente ainda é muito difícil, ainda tem um encalço. O pessoal ainda malvada muito com a classe. Mas hoje é diferente, o pessoal não olha mais com a cara torcida, recebe bem.
Cícero - Então a classe é unida?
Raimundo - É, tem uns que realmente querem pisar no outro. Se tem um emprego melhor já fica um pouco diferente. Mas, isso pra mim, nem influi nem contribui, porque todo mundo é igual.
Cícero - Mas, isso independe? Se ele fosse hétero faria a mesma coisa?
Raimundo - Seria do mesmo jeito, mas isso não importa sabe? A vida é de cada um. Cada um que viva do seu jeito que dar tudo certo. E eu vou vivendo, servindo a população, eu gosto é de ajudar. Por isso que em Lajes, se não conhecer Raimundo Dinorá, não conhece ninguém. Aonde eu morei em Natal é do mesmo jeito.
Cícero - Morasse onde em Natal?
Raimundo - Morei lá no Alecrim, na Ferreira Nobre. Passei lá uns 15 anos. Saía de casa, de 8 horas da manhã e chegava de 10 da noite. Todo mundo com cuidado, com medo, e eu nas praias. Eu era assim. Eu era conhecido a Rainha da Praia viu? Com 13 anos, era de frente ao hotel, lá em Areias Pretas. O grande Hotel.
Curiosidade - Raimundo não tem Whatzapp e nenhuma rede social. Ele disse que não tem porque ser um meio cheio de falsidades. Prefere o contato do mundo real, presencial.
Raimundo - "As vezes uma pessoa faz um elogio no celular, e com a mão, faz um sinal obsceno, sem a pessoa ver".
Expressões:
Dar na cara: (nesse sentido) mesmo que sentir vontade, veneta...
Classe: (nesse sentido) pessoas que caracterizam-se nas identificações especificadas pelo movimento LGBTQIAP+
Entrevista concedida em 08/03/2024
Conteúdo interessante para manter a história viva de grandes lajenses, não conhecia a história de Raimundo, que você Cícero traga mais histórias como essa aos seus leitores.
ResponderExcluirAmei, entrevista merecida, Raimundo, ser humano admirável e respeitado...
ResponderExcluirGrande Raimundo Dinora,valeu Cícero pela entrevista!
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