sábado, 1 de setembro de 2012

ANA BEATRIZ E JOÃO PAULO OU HIATO

                                          
 JOHN ALEX XAVIER DE SOUSA

Omitira toda dor e desespero da longa solidão que passara, na realidade muito pouco mais de três meses, durante os dias passados. Era difícil para ela, tendo alma do jeito que tinha, fingir ou dramatizar um ato, nem que fosse o mais simples. Diferente de suas amigas, as outras mulheres com quem convivia, conseguia mostrar os folhos da alma com sua simplicidade, com os laivos de humanidade que iam de encontro à própria humanidade que, com o passar dos tempos, mais se distanciava de atitudes de nobreza moral como as dela. Numa sociedade em que já se torna comum deixar para trás os aspectos essenciais do espírito em detrimento do hedonismo, quem ousa a ir de encontro à maré tem que pagar um preço muitas vezes tão alto que a alma não suporta e o corpo imerge em um mal mais forte nos dias contemporâneos – a depressão. Mas como as linhas do pentagrama estão perfeitas, paralelas umas às outras, a alma dela conseguia sublimar todo resto, sem ao menos se entregar a dor constantemente, trazendo laivos de racionalidade. Se nobreza moral falta na grande maioria, ao inverso, há pessoas que trazem o intento constante de reforma íntima, que anda no chão porque tem de andar, no entanto mais parece levitar como os anjos que embelezam as nuvens abaixo dos pés das santas católicas. Mesmo imaginado e até sonhado, noutras vezes vivenciando um verdadeiro pesadelo, não tinha quase esperança de rever aquele que por muitos momentos até parecia o príncipe da Bela Adormecida que lhe despertaria para o “...E foram felizes para sempre!”

Ela já não acreditava mais que veria outra vez o homem dos seus sonhos reais e dos pesadelos sonhados. Mas raramente as coisas são como imaginamos. Se vamos entrar numa parte que se chama chegada, essa mesma chegada é dele ou pelo menos parece ser. Ao invés de ligação, de teia, tudo levou a crer ser um brevíssimo hiato. 

Bem, a chegada do homem a quem amava fora anunciada. É bem verdade que já havia ensaiado um milhão de coisas se aquele momento viesse a ocorrer algum dia que fosse – pois já não acreditava mais que tal fato se sucederia. Imaginara tudo, nos mínimos detalhes, desde se entregar perdidamente aquele amor, até romper agressivamente com bofetadas, rasgões, no rosto do ser amado. Algo que pudesse ultrapassar uma cólera, se tal existisse. Imaginara até a roupa da personagem que em seu corpo ganharia carne; a cor da tinta que seria máscara para seu rosto; a música ao fundo como se fosse filme, novela ou teatro. No entanto, de tudo “planejado”, nada se foi cumprido, tudo foi demasiado diferente. Isso não quer dizer que ela não conseguira ser uma atriz como as outras mulheres. Na realidade, ela fora tocada pelo sopro de Zéfiro e se transformara numa deusa, uma deusa com todas as características humanas intensificadas. Ela conseguiu superar-se e esse acontecimento era superar ainda mais as outras mulheres e os simples mortais de carne e osso, sangue correndo nas veias e neurônios a mais ou a menos. 

Ela não colocou perfume, não mudou a roupa que vestia, nem se quer chegou a pentear as madeixas, já longas pelo tempo de espera. Não cortara o cabelo durante o tempo para se cumprir a chegada. Apenas calçou a primeira sandália pelo fato de estar descalça. E, aquele pouco mais de três meses se transformou em ontem. Em ontem pela naturalidade que a moça, ainda tão jovem, conseguiu possuir. O controle dela faria inveja a Bette Davis, faria Maryl Streep titubear, faria Fernanda Montenegro esquecer de sua vida de atriz. E, no entanto, ela era ela mesma, com toda sua autenticidade, sem ser drama. Era vida real, sem rodeios e reviravoltas. 

Ao abrir a porta que dava para varanda, onde estava o homem, fez com a mesma precisão das outras vezes que antecederam aquela. E ele se levantou, como das outras vezes, em direção a ela, porém, antes que desse o primeiro passo, ela se sentou na cadeira em frente da dele, separada por uma mesinha com dois ou três bibelôs. Eles ali, homem e mulher, frente a frete, pareciam completar a vida das estatuetas presas ao mundo da mesinha. Ele queria explicar o que acontecera para justificar sua ausência naqueles dias e, mesmo que fosse convincente, acreditava que seria melhor inventar alguma mentira, mesmo que fizesse menos efeito que falar a verdade. Quando ele abriu a boca, antes mesmo de sair algum sopro de voz, ela comentou que o dia estava bonito e que a brisa naqueles últimos dias dava uma sensação paradisíaca às últimas semanas. Ele confirmou que sim. A conversa era coordenada por ela. Se ele tentasse falar dos dois, ela desconversava e falava dos dias de sol, das rosas do jardim e até dos espinhos das rosas ou mesmo das variadas tonalidades que pairavam no jardim. Ele dava curvas, fazia reviravoltas para ver se chegaria neles e ela ia com flechas certeiras na fuga. Por mais que ele tentasse, Minerva, na mente dela, tinha o cálculo preciso da fuga. Até que ele cansou e pediu um pouco d’água. Ela se levantou como quem fosse trazer a água. Ao se voltar para porta ela disse que tinha uma lição de violino para terminar e que Francisca lhe traria a água. E entrou repentinamente, bem diferente da sua anterior chegada. Foi a última vez que João Paulo viu Ana Beatriz. Em menos de dois minutos estava ele na varanda bebendo água e ouvindo, não muito longe, notas perfeitas no violino. Ele conseguia até fazer uma pintura da cena. Dela com o cabelo semi-amarrado, com os cabelos formando longos cachos do meio para as pontas. Ele levaria esse encontro para o resto da vida. Não porque a amasse de fato (e o que é amar de fato?), mas apenas porque sempre a desejara desesperadamente. O Destino faria uma ligação até a morte dos dois, no entanto, Ana Beatriz se destinou e não se deixou ser destinada. Era obstinada. O som do violino de espalhava pela casa, derramando-se pela rua. João Paulo até poderia plainar nas notas, mas seus pés pareciam pesados como chumbo, até que num certo cruzamento, ao transpor a primeira esquina, já não conseguia ouvir mais nada, apenas imaginava a continuidade da música que conhecia muito bem e que nunca deixou seus pensamentos futuros. Seus passos certos ou incertos. A sua vida não foi aquela música, nem se reduziu a mesma. Mas, sustenido ou bemol, grave ou agudo, ela nunca deixou ele completamente sozinho, embora tenha tomado o destino de solitário. Poderia até dizer que Ana Beatriz deu mais sorte na vida, mas seria um erro, ela fez o seu destino, isso sim foi um acerto, não deixar se conduzir por uma palavra ou ela substantivada – a Sorte.

Dados do Autor: Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN (1993), Especialização em História da Cultura pela UFRN (1996) e Mestrado em Ciências Sociais pela UFRN (1999). Foi professor substituto na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Lecionou no Curso de História, da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). Atualmente é professor do Departamento de Educação, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Campus III, Bananeiras. Tem experiência nas áreas de História, Sociologia, Antropologia e Educação.


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