O adeus ao “Poeta Valente”
A cidade de Lajes (minha terra) perdeu hoje aquele que foi o maior nome de sua cultura, O poeta, músico e cordelista Antônio Cruz. Lacuna impreenchível para a cultura local. Em julho passado havia completado 97 anos. Uma vida de dedicação e serviços prestados ao município.
Atribuí-lhe o epíteto de “Poeta Valente”, por causa de suas várias histórias de caçadas e aventuras no mato, quando vez ou outra se deparava com alguma “assombração” ou “visagem” como ele mesmo falava.
Foi assim em 1955 quando caçava na Serra do Feiticeiro e subitamente teve que enfrentar um tal vaqueiro misterioso que lhe perseguia pelo caminho. O episódio, imaginário ou não, originou o cordel “ A peleja com o Diabo”, o qual eu considero sua obra mais notável. ( Veja no vídeo abaixo)
Sempre que me encontrava com o velho poeta, perguntava sobre a sua saúde e ele me devolvia com a seguinte assertiva; “Já estou sentindo o cheiro das flores do cemitério”. Uma resposta desconcertante para mim, mas carregada de inspiração.
E assim era Antônio Cruz, ele não sucumbia aos desafios impostos pela vida. Na plenitude dos seus quase cem anos e mesmo na iminência do fim dos seus dias a verve poética emergia com naturalidade.
Nasceu em 1919 em jardim de Angicos, veio com a família para Lajes ainda menino; aos 07 anos. Cresceu, construiu família e fez história. Era uma página viva de Lajes, espécie de “homem-museu”.
Conviveu de perto com todas as figuras importantes do cenário político do município, desde a sua emancipação. Entre elas a primeira prefeita da América latina, Alzira Soriano, a qual Antônio Cruz dizia ser uma “Mulher de pulso”.
Relatos sobre Ramiro Pereira, Manoel Procópio, Antônio Cabral e tantos outros personagens da politica lajense, estavam sempre presentes nas minhas conversas de reminiscências com Antônio Cruz. Sabia os nomes de todos os prefeitos, datas e fatos mais importantes da história do município, e gostava de provocar os seus entrevistadores “pergunte! Pergunte mais !” Era o estilo dele, destemido e afeito à desafios.
A PROFISSÃO
Antônio Cruz exerceu o oficio de marceneiro com maestria. Trabalhou em obras importantes para a cidade como na década de 30 quando ajudou a construir da União Caixeiral de Lajes. Foi responsável pela escolha da madeira e instalação da cobertura do prédio. A estrutura durou mais de 60 anos até a sua primeira reforma. Uma prova cabal da qualidade do seu trabalho como marceneiro.
Em sua oficina particular a fabricação de caixões de defunto ganhou mais evidencia. As urnas funerárias eram conhecidas como as de melhor acabamento, dentro e fora de Lajes. A clientela vinha de todas as partes a procura dos seus serviços. Encomendas para prefeituras e famílias influentes eram constantes. E assim ele criou a família.
Antônio Cruz também mantinha algumas excentricidades. Na oficina, havia um caixão em especial que ele não negociava por dinheiro algum. Mantinha a peça sempre muito bem guardada, longe dos olhos da clientela. Certa vez morreu uma pessoa influente na cidade e o estoque da oficina estava vazio. A família fizera uma proposta irrecusável para comprar o caixão guardado a sete chaves. Sem pestanejar Antônio rechaçou de imediato; “Aquele lá eu fiz pra mim, não vendo nem troco”. E assumiu o compromisso com o filho do morto: “ Não se preocupe, no que depender de mim, seu pai não será enterrado sem caixão, eu garanto”. Varou à noite trabalhando e na manhã seguinte deu a encomenda como pronta. Mais um desafio cumprido.
O ARTISTA, MÚSICO E POETA
Mas foi mesmo na música e na poesia de cordel que Antônio Cruz conferiu a Lajes o seu maior legado. Nos anos 30 foi um dos primeiros integrantes da Filarmônica Municipal, compôs as primeiras marchinhas de carnaval da cidade e que se perpetuaram por muitos anos. Organizou blocos, serestas e charangas, tocou violão, instrumentos de sopro e tantos outros. Era multifacetado.
No cordel, contou histórias de personagens e fatos da cidade como “A chegada da Estrada de Ferro em Lajes” e a ontológica “Peleja com o Diabo na Serra do Feiticeiro”. Na minha opinião, sua obra mais notável.
Hoje o “Poeta Valente” fechou os olhos, silenciou sua voz, cumpriu o destino de todos os homens. Assim como ele mesmo profetizava, chegou ao “jardim do desconhecido”.
Antônio Cruz, o nosso eterno menestrel, viveu com alegria e atravessou os portais da morte sem temor. Carregava consigo a rigidez de um sertanejo e a sublimação do poeta, e assim nos encantava dos dois modos. Descanse em paz POETA VALENTE, obrigado pelo seu legado.
Meus sentimos à família.


Mostrar mais 
Comentário