sexta-feira, 19 de julho de 2019

Cacimba do Sertão - Poeta Lino Sapo

Foto: Cícero Lajes

CACIMBA NO SERTÃO

Batendo o punho da rede
Mãe cedinho me acordava
Por vezes me assustava
Com a resta na parede
Da lamparina com sede
Com sua chama tomante
Do querosene restante
Parecendo nossa sina
Na secura nordestina
Que ninguém tem o bastante
São quatro da madrugada
O burro já relinchou
Levante, a tina secou
Lá no pote não tem nada
E deixe de dar massada
Tem pássaros já cantando
Tu ainda remanchando
Saia dessa sua frágua
E bote dez cargas d'água
Pois o sol já vem raiando
Em meio aquela frieza 
Eu aprontava o jumento 
Que dormia no relento 
Mesmo com nome de alteza 
Nem tinha algo de nobreza 
E eu colocava a cangalha 
Daquelas feita de palha 
Botava cada barril 
No cabeçote o funil 
E partia pra batalha

Com cipó de mameleiro
Bem na garupa eu montava 
Para a cacimba rumava 
Enquanto tava maneiro 
Num trote muito farceiro 
Aos beijos da madrugada 
Com o som da barrilzada 
Compondo junto ao vento 
Música pro sofrimento 
Dessa cruel caminhada
 
A cacimba bem sofrida 
Com pouca água minando 
De longe a lama cheirando 
Atraia tudo que é vida 
Com disputa permitida 
De inseto, homem, animal 
Num processo natural 
Onde a sede dita a regra
 Nossa família se integra 
A disputa sem igual Ligeiro, mas com cuidado 
Eu quatro barris enchia 
E nisso vinha a agonia 
Nos esses de cada lado 
Com um barril pendurado 
Vendo quase ele cair 
Depressa tinha que agir 
Para os outros colocar 
O quarto quase não dar 
Com minha força a sumir A água chaculejando 
No compasso do trotado 
Uma trilha de pingado 
No caminho ia ficando 
Aqui ali um destampando 
E eu correndo pra tampar 
Dando um ir para parar 
O meu burro com bondade 
E hoje eu vejo a saudade
 Os meus olhos quem minar 

Poeta Lino Sapo

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